Março 12, 2025
“Eucaliptais não são desertos ecológicos”: projeto avaliou como manter a produção e conservar a vida selvagem nestas florestas

Compatibilizar a gestão dos eucaliptais de produção de papel com a vida selvagem pode, à partida, parecer um desfaio. Como tal, um projeto nacional quis mostrar que estas florestas “não são desertos ecológicos” e que podem aplicar medidas “fáceis” e de “baixo custo” para conservar a biodiversidade.

“Os animais têm uma capacidade de adaptação e de resiliência muito grande, mas faltava-nos uma base científica para conseguirmos dar resposta a este desafio”, explica Carlos Fonseca, professor catedrático da Universidade de Aveiro responsável pelo projeto WildForests. O objetivo era avaliar de que forma as plantações de eucaliptos impactavam os padrões ecológicos dos mamíferos.

A iniciativa analisou duas áreas de floretas nativas e seis áreas de eucaliptal para comparar a existência e comportamento dos mamíferos. O eucaliptal “também permite a presença de espécies de mamíferos, dá algum abrigo, dá pouco alimento, mas também aqui é possível melhorar esta condição, [desde que] haja interesse das entidades que gerem estas áreas”. Com base nos resultados, desenvolveram várias medidas que podem ser aplicadas facilmente e a baixo custo, como a manutenção do mato e arbustos nativos perto das linhas de água.

Veados, texugos, javalis, lebres e ouriços-cacheiros foram algumas das espécies encontradas nos eucaliptais. “A partir do momento em que conseguimos conservar [os mamíferos] e conservamos os seus ecossistemas, estamos também a conservar uma cadeia de outras espécies que estão diretamente relacionadas”, afirma Carlos Fonseca.

O projeto WildForests foi promovido pela Universidade de Aveiro em conjunto com o Instituto de Investigação Agrária e Veterinária e a FCiências.ID – Associação para a Investigação e Desenvolvimento de Ciências. Para desenvolver a investigação, recebeu o apoio de 220 mil euros através do programa COMPETE 2020, dos quais 116 mil euros são provenientes do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER).

Como surgiu o projeto WildForests?

Aquilo a que nos propusemos no início foi tentar perceber como é que a conservação da vida selvagem é compatível com florestas exóticas de produção. A nossa visão é, precisamente, uma tentativa de compatibilizar estas áreas florestais muito dedicadas à produção com a presença e a possibilidade de manterem os níveis ecológicos de espécies nestas mesmas áreas. Portanto, para nós, é muito importante tentar perceber como é que esta compatibilização está a funcionar.

Que florestas escolheram avaliar?

Desde o início, o projeto foi definido tendo [em conta] aqueles objetivos principais e para isso tivemos de recorrer a áreas florestais com espécies exóticas, que neste caso foi o eucalipto. Sabemos que o eucalipto tem uma área muito expressiva no nosso país, cerca de 27% da floresta nacional é constituída por estes, [o que corresponde a] cerca de 850 mil hectares. Portanto, a expressão que tem no nosso país levou-nos a selecionar estes cobertos como áreas importantes para estudar.

Como analisaram a vida selvagem nestas florestas?

Nós aqui focámos, precisamente, os grandes mamíferos porque têm uma área de distribuição ampla, mas também os micromamíferos ou pequenos mamíferos que têm áreas de distribuição mais pequenas. São espécies que têm uma grande representatividade ecológica, portanto, com relevância ecológica funcional nos nossos ecossistemas.

Quais são os mamíferos presentes no eucaliptal?

De um modo geral, e também um pouco para desmistificar a ideia de que o eucaliptal é um deserto ecológico, que muitas vezes essa é a imagem passada, nós percebemos que, de facto, temos espécies com alta resiliência e alta capacidade de adaptação. Naturalmente, estamos a falar de espécies que também são mais comuns, como o javali, a raposa ou a geneta, que usam de forma regular o eucaliptal.

As amostragens de micromamíferos em eucaliptal e em áreas nativas foi muito semelhante em termos de números. Portanto, são, de facto, espécies com uma capacidade de adaptação a estas novas áreas muito grande. Mas claro, temos alguns números um pouco mais reduzidos nos eucaliptais, o que nos leva a crer que podendo haver melhorias na gestão do eucaliptal conseguimos também níveis de biodiversidade mais elevados.

De que forma o eucaliptal impacta os mamíferos?

Mais do que impactar, era tentar perceber como estes mamíferos usam estas áreas, se as usam, os que usam e como usam. Depois de percebermos um pouco melhor como esta dinâmica ocorre é encontrar formas de compatibilizar a presença de área de florestas de produção com a conservação e de presença destas espécies. Através dos resultados que obtivemos, indicámos aos utilizadores finais, aos proprietários, aos gestores destas grandes áreas, uma série de medidas que podem ser implementadas de modo a aumentar esta compatibilização de usos.

Portanto, [o objetivo era] haver florestas de produção, que têm uma grande valia económica para o nosso país, mas também manter os níveis de biodiversidade considerados relevantes em áreas como estas, que já têm uma área significativa, principalmente no centro e norte do nosso país.

Que medidas sugeriram para aumentar a biodiversidade?

Temos uma floresta de produção muito focada na produção de pasta e papel e, portanto, hoje em dia grande parte das medidas de gestão que se fazem com regularidade nestas manchas florestais têm em vista precisamente o aumento da produtividade do eucaliptal e também uma redução do risco de incêndio. Como tal, há uma gestão muito dirigida aos matos e, estando aqui dirigida a estes, vamos ter uma redução destas espécies de matos e de arbustos no subcoberto eucaliptal, que são precisamente o que confere o tal refúgio e o alimento a grande parte destas espécies.

Portanto, aquilo que nós propomos é precisamente uma conciliação de interesses. Estas áreas de eucaliptal amostradas em muitas regiões do país têm uma expressão muito grande em termos de área, que podem ser de 100, 200, 300 ou mais hectares. Aquilo que sugerimos é, precisamente, uma gestão destas áreas em que haja uma intervenção, principalmente ao nível das margens destas áreas, que seja um pouco mais intensa e que haja, de facto, uma redução do risco de incêndio, nomeadamente através da gestão dos matos, mas que, no interior destas manchas de grandes áreas, possam manter-se pequenas manchas de vegetação nativa.

Quais são os benefícios para os eucaliptais em aumentar a biodiversidade?

Uma floresta certificada é uma floresta que, apesar de ter o foco no objetivo de produção, por exemplo, consegue manter níveis de biodiversidade bastante consideráveis. Portanto, havendo, de facto, esta ideia de que é possível compatibilizar a produção com a conservação da natureza. Aqui os mamíferos dão esse contributo e nós temos vários exemplos, nomeadamente em Portugal, de áreas onde existem algumas espécies que têm estatutos de conservação mais elevados, e que a partir do momento em que eles existem em determinados locais, nomeadamente em eucaliptais, significa que têm condições para que estas espécies existam ali. Estamos a falar de espécies de passagem, mas, por exemplo, também fazemos o acompanhamento no centro do país de áreas de reprodução do lobo ibérico em áreas de eucaliptal.

Conseguiram implementar as sugestões do WildForests?

Nalgumas áreas já estão a ser implementadas as medidas que eu referi, [como] a questão da gestão dos matos, da gestão de arbustos, da gestão de áreas de conservação. Até porque, no que diz respeito às áreas florestais certificadas, que hoje em dia [atingem] a percentagem muito próxima dos 100% das áreas geridas por estes proprietários florestais, requerem também uma percentagem preferencialmente superior a 10% como áreas de conservação. Portanto, isso leva a que a definição destas áreas de conservação e a gestão que ocorre nestas áreas tenha também como base os resultados obtidos neste projeto.

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